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A cidade ferroviária

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     Falar de Santa Maria, inspira falar sobre memória ferroviária e sobre o eco de desenvolvimento urbano que se espalhou desde a orla da linha férrea, serpenteando de leste a oeste o território, até irradiar-se pelo coração da cidade e imediações.

 

Cada geração tem, de sua cidade, a memória de acontecimentos que permanecem como pontos de demarcação em sua história. O caudal de lembranças, correndo sobre o mesmo leito [...], guarda esses episódios notáveis, que ouvimos sempre retomados na fabulação de seus moradores. (BOSI, 1994, p. 418).

 

     Sua origem está relacionada diretamente à situação geográfica que favoreceu a implementação do principal entroncamento ferroviário do sul do país (COSTA BEBER, 1998). O passo inicial, dado em 1885 com a primeira estrada que ligava Porto Alegre a Santa Maria, movimentou e construiu, não só o espaço material da cidade, como também desenhou seu espaço social:

 

Para o espaço social de Santa Maria, a ferrovia com seus prédios materiais, estruturas e sons característicos, a Vila Belga e a CCEVFRGS, com estes lugares e valores culturais, constituíram-se não só em marcos referenciais de uma época como também em símbolos de dinamismo, de capacidade de organização e produção. (MELLO, 2010, p.119).

 

     A estrada de ferro trouxe um maior dinamismo econômico e cultural para o Município de Santa Maria, favorecendo a implantação de uma rede de hotéis e o aumento das atividades econômicas, dado pela abertura de entrepostos comerciais e depósitos de produtos agrícolas e pastoris de larga escala. Com isso, a cidade passou a ser entreposto obrigatório das praças comerciais da fronteira e da região serrana com a de Porto Alegre. Em 1898, a diretoria do Compagnie Auxiliare des Chemis de Fér du Brèsil da Bélgica, arrendatária da ferrovia gaúcha desde 1898, encampa a Rede Ferroviária Riograndense, até 1920. Acompanha a Compagnie um grupo de famílias francesas e belgas, surgindo em 1907, o conjunto habitacional denominado Vila Belga.

 

     No início do século XX, Santa Maria passou a ostentar o título de “cidade ferroviária” (MAZZORANI et al. 2004). Esta legenda não somente simboliza a presença dos trilhos na cidade, mas o que esses representaram para o seu desenvolvimento. Por exemplo, no ano de 1913, foi criada a Cooperativa de Consumo dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, cuja sigla é CCEVFRGS.

 

     Papel destacado em toda a América Latina, tornou-se rapidamente um poderoso centro comercial que investiu, inclusive, na educação dos filhos de seus cooperados, através da criação das Escolas Santa Terezinha (1921) e de Artes e Ofícios (1922). Esta última fora denominada posteriormente de Ginásio Industrial Hugo Taylor (1934), e mais tarde, Escola Industrial Hugo Taylor (MELLO, 2010).

 

     Como citado, além do consumo, a cooperativa oferecia igualmente o acesso à saúde a seus associados criando, em 1931, a Casa de Saúde, centro de assistência médico-hospitalar que segue em operação nos dias de hoje.

 

    Outros investimentos da cooperativa se destacaram, como por exemplo, a fábrica de torrefação e moagem de café, oficinas tipográficas, moldagem, fundição, marcenaria, oficina mecânica e de eletricidade, confecção, alfaiataria, saboaria, bem como açougue e depósito de lenha. Algumas das edificações remanescentes desta produção encontram-se legíveis, enquanto outras, por estarem abandonadas, estejam em franco processo de deterioração.

 

     A mesma estrada de ferro que marcou o desenvolvimento urbano da cidade e teve seu apogeu entre 1910 e 1950, iniciou um processo de declínio que durou aproximadamente 40 anos, curiosamente o mesmo espaço de tempo do apogeu de seu desenvolvimento. Aos poucos, foi sendo desmantelado o que um dia representou o principal centro ferroviário do Estado, soterrado definitivamente por uma pá de cal enviada pelo governo federal em 27 de fevereiro de 1997 (COSTA BEBER, 1998).

 

     Da pujante história da cultura urbana ferroviária restam-nos os legados memoriais já em desaparecimento e o patrimônio material imóvel, ainda legível, sendo parte tombado a nível estadual; a outra parte, brava sobrevivente, aguarda por ações de preservação, pela importância que lhe é devida.

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