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SANTA MARIA DA BOCA DO MONTE

por Prof.ª Leonora Romano

     Toda cidade tem uma história para contar, uma personalidade para se orgulhar, um fato histórico para lembrar, um hino para cantar, um padroeiro para celebrar, uma rua para inaugurar, uma casa para morar. Toda cidade tem uma praça, uma igreja, um chafariz, uma ponte, um cemitério, um campo de futebol. Toda cidade tem uma festa, um funeral, um baile, uma missa, uma feira, um carnaval, um desfile, um casamento, um evento. Toda cidade tem um causo, uma fofoca, um boato, uma lenda, um fato, um acontecimento, um incidente, uma troça, uma comédia, uma tragédia.

 

Poderia falar de quantos degraus são feitas as ruas em forma de escada, da circunferência dos arcos dos pórticos, de quais lâmpadas de zinco são recobertos os tetos; mas sei que seria o mesmo que não dizer nada. A cidade não é feita disso, mas das relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado (CALVINO, 1990, p.14).

De que é feita a cidade de Santa Maria?

 

     Santa Maria é feita de acampamento militar, de lenda indígena. Santa Maria é feita de memória ferroviária, de ensino superior, de importante contingente militar. Santa Maria é feita de símbolos, de “nome e de sobrenome”, de devoção a Nossa Senhora. Santa Maria é feita de Maria, de Conceição, de Medianeira. Santa Maria é feita de ventos, de morros, de documentação paleontológica. Santa Maria é feita de frio e de calor. Santa Maria é feita de cinema, de teatro, de música, de letras, de dança, de artes plásticas. Santa Maria é feita de Felipe, de Salvador, de Mariano, de Augusto, de Paulinho. Santa Maria é feita de estrada do Perau, de “garganta do diabo”. Santa Maria é feita de avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, de “par de ruas”, de “primeira quadra”. Santa Maria é feita de Avenida N. Sra. das Dores, de Igreja N. Sra. das Dores e de Clube Dores. Santa Maria é feita de “buraco do Behr”, de “14 casas”, de “Calçadão”. Santa Maria é feita de cooperativismo, de Vila Belga, de maçonaria, de Monumento ao Ferroviário. Santa Maria é feita de banda, de festivais e de futebol. Santa Maria é feita de Praça Saldanha Marinho e de Feira do Livro. Santa Maria é feita de galeto, de massa folhada, de xis. Santa Maria é feita de estudantes, de ilustres, de anônimos. Santa Maria é feita de Eny, de Sibrama e de Macedo. Santa Maria é feita de Confeitaria Copacabana, de Restaurante Augusto e de Churrascaria Vera Cruz. Santa Maria é feita de política partidária e de política estudantil. Santa Maria é feita de comércio, de serviço, de FEISMA. Santa Maria é feita de alemães, libaneses, italianos, judeus, portugueses, brasileiros, japoneses. Santa Maria é feita de patrimônio, de memória, de sociedade. Santa Maria é feita de histórias alegres e de histórias tristes. Santa Maria é feita de diversidade, de pluralidade, de multiplicidade. Santa Maria é feita de identidade. Santa Maria é feita de cultura...

 

     Santa Maria conviveu durante muito tempo com a expressão de cidade cultura. Desde os primórdios de seu povoamento, em 1797, o acampamento da Comissão de Demarcação de Limites na América Meridional, tinha entre seus engenheiros portugueses, liderados por José Saldanha, “um pequeno e seleto número de técnicos e intelectuais, a serviço de sua grei e de sua cultura” (BELTRÃO, 2012, p.21), que redigia e ordenava notas, elaborava relatórios e outros documentos relacionados com a missão que cumpriam. Este passado histórico se identifica com o macroprocesso cultural (SANTA MARIA CIDADE CULTURA, 2003, p. 72).

 

     A identificação da cidade com a cultura ainda encontrou luz nas primeiras décadas do século XX. A oferta de cultura erudita, em 1932, era considerada além da satisfatória, em se tratando de uma cidade de interior, com 32.742 habitantes (BELÉM, 2000). No caso do teatro, por exemplo, além do teatro amador, Santa Maria foi palco de exibições teatrais que tinham como destino o Uruguai e a Argentina, e igualmente das que vinham de lá para Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. Esta “efervescência cultural” também se manifestou através do cinema, tendo sido inaugurados, entre 1911 e 1937, quatro cinemas na cidade, “com um mínimo de oito sessões diárias, com películas de primeira classe, quase todas exibidas em primeira mão, no Estado” (SANTOS; SANTOS, 2008, p. 106).

 

     Entretanto, a associação feita entre a Cidade e a cultura só foi construída quando do entrelaçamento entre os conceitos cultura e universidade, verificados aqui a partir da criação da primeira universidade pública no interior do país, em 1960. Há quem diga que, quem instituiu a expressão “cidade cultura” foi o próprio José Mariano da Rocha Filho, criador da Universidade Federal de Santa Maria. Segundo Prof. Mariano, a relação entre universidade e cultura era entendida “através de sua proposta de uma plena integração entre a Terra, o Homem e a Educação” (SANTA MARIA CIDADE CULTURA, 2003, p. 84).

Em pouco mais de cinquenta anos de sua criação, a cidade que se tornou pólo universitário e possui cerca de sete instituições de ensino superior, questiona-se: Somos mesmo uma Cidade Cultura?

 

     Marcelo Canellas, jornalista brasileiro formado pela UFSM, respondeu em sua crônica sabática (Diário de Santa Maria, 2013): “O orçamento pífio destinado ao setor diz que não. A escassez de espaços para convivência e entretenimento diz que não. A falta de equipamentos públicos e de projetos de estímulo a expressões artísticas, no centro e na periferia, diz que não. A timidez e a morosidade das iniciativas de proteção ao patrimônio histórico e arquitetônico dizem que não. Ou seja, do ponto de vista oficial, do quinhão de responsabilidade que cabe ao Estado, Santa Maria não é Cidade Cultura”.

 

     Já Valmir Beltrame, Presidente do Conselho Municipal de Cultura biênio 2011-12, diz que a diversidade de pessoas é o que torna Santa Maria uma Cidade Cultura (BENADUCE, 2012). “Santa Maria traz no seu entorno, para viver e conviver na sua cidade, pessoas dos mais diferentes lugares, das mais diferentes matizes, que vivem e convivem das mais diferentes formas. Isso torna, por si só, Santa Maria uma cidade multicultural, abrangente no seu entorno cultural e nas suas ações culturais” (BENADUCE, 2012).

 

     Cidade Cultura, Cidade Ferroviária, Cidade Militar, Cidade Universitária, Cidade Coração do Rio Grande, Cidade de Santa Maria da Boca do Monte, Cidade do Xis, Santa Maria cidade lugar onde as coisas acontecem...

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